ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS seriam, ao menos
em tese, momentos privilegiados para discutir pautas de modernização social.
Entende-se por tal modernização o conjunto de procedimentos que visam adequar
as leis às exigências de universalização de direitos. Dentro desse conjunto
de procedimentos, há, no entanto, um importante núcleo que visa modificar a
maneira que o Estado procura impor normatividades ao corpo e à sexualidade.
Como não poderia deixar de ser, tal núcleo está mais uma vez ausente do debate
eleitoral. Os últimos 40 anos viram a paulatina institucionalização da consciência
de que o Estado deve afastar-se, ao máximo, da tentação de legislar sobre os
corpos e sobre a sexualidade de seus cidadãos.
Excetuando-se casos de abusos não consentidos do outro (como a violação) ou
de práticas sexuais com aqueles que não são responsáveis por seus atos (como
a pedofilia ou o abuso de doentes mentais), o Estado não teria nada a dizer
a respeito de tais questões. Essa indiferença necessária do Estado poderia abrir
o espaço para a ampliação do processo de reconhecimento social das diferenças
e de universalização de direitos. Esse foi um dos motores para que o aborto
e a modificação da estrutura do casamento fossem aceitos em boa parte das sociedades
democráticas. No entanto, o Brasil continua inexplicavelmente na contramão desse
processo.
Peguemos o caso do aborto. Nos anos
80, uma artista plástica norte-americana, Bárbara Kruger, fez um belo cartaz
pró-aborto onde se lia: "Seu corpo é um campo de batalha".
De fato, essa é a perspectiva correta para a abordagem do problema. É necessária
muita imaginação para levar a sério o dogma de que um feto do tamanho de um
grão de feijão, absolutamente dependente do corpo materno, teria o mesmo estatuto
jurídico que uma pessoa. A questão não concerne o "respeito à vida",
até porque não estamos de acordo a respeito do que "vida", enquanto
objeto a ser defendido pelo ordenamento jurídico, deva significar. Por não estarmos
de acordo, não é possível que a sociedade civil seja refém de um conceito teológico
de vida que os católicos procuram nos empurrar (até porque, boa parte das igrejas
protestantes tem posição muito mais mitigada a respeito do aborto). A questão
concerne, na verdade, o modo de intervenção estatal e de disciplina moral dos
corpos. Valeria ainda a pena lembrar que o aborto é e sempre será liberado para
aqueles que poderão pagar por clínicas clandestinas. Esses sempre encontrarão
um jeito para levá-lo adiante. Já os demais sempre continuarão abortando, pois
eles já votaram pela liberação do aborto. Infelizmente, eles votaram com agulhas
de tricô.
Por fim, sobre a questão a respeito
do casamento entre homossexuais, é dificilmente compreensível que ela não esteja
na pauta do debate eleitoral. Sua proibição estigmatiza uma parcela da população
e cria constrangimentos sociais que nunca poderiam ser aceitos por uma sociedade
que luta pela efetivação de princípios igualitários.